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A mostrar mensagens de 2011

Pedradas

Às vezes parece que não faço outra coisa além de me sentar aqui vendo o incessante vai e vem das ondas. Observando a eterna mutabilidade e imutabilidade daquele mar, a forma como as marés sobem e descem, as ondas avançam e recuam, como os barcos rasgam os horizontes e os deixam imaculados... Sentar-me aqui, junto a este mar faz-me perceber que devo ser como o mar, a minha vida deve imolar o mar em todos os aspectos. Intempestivo e calmo, brilhante e sombrio, claro e encoberto... Devo ser, sim, como o mar e não como a areia que piso pois se olhar para trás na praia vejo as minhas pegadas e as pegadas que me antecederam e que ainda não tiveram oportunidade de desaparecer .  Uma pedrada no mar... Sabe quem já alguma vez atirou uma pedra ao mar que ele não riposta. Agita-se naquele local, solta um berro, maior ou menor mediante o tamanho da respectiva pedra, mas não tarda a voltar ao mesmo como que nunca tivesse havido uma pedra lançada, como se nunca tivesse havido lançamento da pedra, co
Da natureza do Mal, do Supremo-Mal ou do sumo representante de tudo o que está mal neste mundo, já muito foi dito. Já desde a Grécia antiga que os grandes pensadores, fundadores da grande maioria da cultura ocidental, consideraram que havia algo que podia ser representado, um paradigma Universal para o Todo, e o anti-representação, o Nada absoluto. A um chamaram symbolón (símbolo) e a outro, diabolón (anti-símbolo). Paradigmas se seguiram, consequentes, concorrentes, adjuvantes, e o Symbolón tornou-se toda a Ordem e a Racionalidade do Universo, toda a Paz, toda a Estabilidade, todo o Equilíbrio; Por sua vez, o Diabolón contrapôs-se tornando-se o indiscritível, o Caos, a Irracionalidade, a Cacofonia, a Mutabilidade, a Desordem. Quando os primeiros cristãos chegaram ao arquipélago helénico, e como a Razão ultrapassa toda a fronteira linguística, cultural e religiosa, ouviram falar no Diabolón. Na tentativa de melhor o compreenderem fizeram algo comum numa cultura infantil e personificar
Sentou-se junto a mim contemplando a carruagem de Apolo que se despenhava no mar. Sorriu com a última aragem de vento que lhe tocou as faces e disse: "Doce liberdade esta de sentir os zéfiros e como eles não ser prisioneiro de compromissos ou obrigações. De me erguer todos os dias do meu leito e saudar o Sol alto sem cuidar das horas que me restam para que volte à cama. Liberdade de não ter de ser nada para ninguém e ser tudo e todo para mim. Ser independente de laços familiares e ter tantas amizades que não haja um dia só que me sinta solitário, sem alguém que me preencha as vastas horas de ócio. Obrigado, Mestre, por me teres mostrado o que é a vida e como posso ser um melhor eu se me esforçar por ser feliz." Eu levantei-me daquele rochedo e pousei a garra granítica sobre a cabeça do jovem que se sentara ao meu lado. "Não te ensinei nada. As conclusões que tiraste das minhas palavras encaminharam-te a tomares-me como exemplo, mas nem tu me pediste que explicasse o m

Ceder

Mas sim, há mudanças. Viver no outro é arriscar o erro de deixar de viver em nós e o nosso corpo, nós, é tudo o que temos para poder fazer do outro feliz... Para nos atrevermos a ser felizes com o outro. Hoje cedo. A minha cedência cedo se me afigurou como constante, como se a minha necessidade de sobreviver dependesse da minha inata solicitude em ceder. Não me interpretes mal... Eu cedo porque sou assim. Não cedo porque me forcem, não cedo porque me peçam, não cedo por al senão pelo facto de todas as minhas células terem aversão a resistir a algo que não tem importância. E eis a minha mudança básica. Não posso ir contra a minha natureza e não ceder, não posso deixar de ser quem sou. Recuso-me a trair-me. Mas... e nestas coisas há sempre um mas e mesmo nisto cedo... agora escolho a minha cedência. Avalio a capacidade de cedência da outra pessoa. Se o outro se me apresenta como capaz de ceder e não o faz em toda e qualquer condição, a minha cedência é vil e cobarde, mesquinha e i
Sempre adorei sentir o vento no cabelo, empurrando-me para trás, impondo a sua força ao meu equilíbrio. Ao contrário da maioria das pessoas, gostava muito dos dias ensolarados de calor, mas os meus preferidos eram aqueles nebulados, mais amenos, em que mais do que se sentir o vento o via a inquietar plantas e árvores... No alto da minha falésia da infância e juventude, passava eternidades olhando o vazio, contemplando nadas e considerando tudo. Eram outros tempos em que por não ter mais em que pensar pensava em tudo... Concluí tanta coisa de inútil e útil. Frustrou-me ver os meus pensamentos expressos em livros, as minhas conclusões tiradas a limpo por outros, as minhas teorias apresentadas por outros como se deles fossem... Frustrava-me não ter sido o primeiro a pensar naquilo, tanto quanto me agradava aprender com os outros e reconhecer nas ideias de outros validade. Hoje, os assaltos de preocupações, de problemas e questões quotidianas, assuntos práticos que exigem mais que tempo,

Caverna

Então há uma altura em que me encontro no mercado deambulando e espiolhando as almas de quem comigo se cruza e um manto, uma capa com capuz cruza-se com a minha capa com capuz... Eu estaco imediatamente à passagem de tão familiar capa com capuz e sinto que a outra capa estacou imediatamente à minha passagem... Viro-me lentamente, a medo, como que a confirmar que não é o reflexo de um espelho o que se cruzou comigo e o reflexo de um espelho que se cruzou comigo vira-se lentamente a medo, como que a confirmar que eu não sou um reflexo de um espelho... Então olho mais cuidadosamente aquela capa com capuz... o trabalhado, a textura, a cor. Quão familiar... E olho a minha capa com capuz, a cor, a textura, o trabalhado.... Espreito ousadamente para dentro daquele capuz e vejo uma máscara que espreita ousadamente para dentro do meu capuz... Através de uma aberta vejo um pouco da pele que se esconde sob o manto com capuz e percebo que é semelhante em muito à minha pele que se encontra um
Sento-me no topo da minha torre... Ocultei minha alma em panos e não bastou, apertei-a e pedi-lhe que não falasse tão alto e não bastou, encostei-a à parede e entre palavras de amor, ameacei-a que a deixava e a perdia... Encerrei minha alma numa cela de pedra fria. Dei-lhe fome e sede de atenção, negligenciei-a e aguardei que esmorecesse, quando voltei ao cativeiro agrediu-me com as pedras arrancadas à parede. Juntei as pedras e encerrei-lhe a porta, emparedando-a... Incontáveis eras passaram e voltei para ver a minha alma perdida. Encontrei a prisão em ruínas, reduzida a um monte de pedras espalhadas. A minha alma encontrava-se no meio dos destroços e manteve-se em silêncio quando me sentiu a aproximar. Abracei a minha alma e apertei-a contra mim, confiante na sua docilidade, mas a minha alma mordeu-me e arranhou-me e revoltou-se em silêncio contra mim. Tentei fugir-lhe e escapar-lhe mas perseguiu-me em silêncio por montes e vales... Por artes e manhas encerrei minha alma nu