Senta-te aqui comigo... Pela primeira vez em anos sento-me no topo da minha Torre, no meu posto de vigia abandonado... Aqui no topo...
Achas-me charmoso? Pareço-te bem? Obrigado. O meu sorriso sincero será a única resposta que obterás ao elogio. A remodelação do outfit, pela primeira vez na vida, ocorre simultaneamente interior e exteriormente. Vê-me como a velha gárgula que sou. Cabelo curto, penteado, todo de preto vestido... todo não, a minha gravata bordeaux, simultaneamente, empresta-me um pouco do glamour da sua seda, faz-me parecer mais velho como sou e, por se enrolar no meu pescoço, recorda-me do sangue que me pulsa nas veias a cada pulsar do coração que se regenera e se modifica com a Magia que me permite sobreviver a tudo. Asas escondidas sob o sobretudo negro, ou talvez o meu sobretudo negro evidencie as negras asas que representa. Calças, negras. Sapatos negros. Camisa negra... Até o guarda-chuva que uma gárgula não costuma usar, negro. E caminhar, mortal entre mortais, de negro. Obrigá-los, a eles, pela minha presença, a suster o fôlego, o pensamento, o mover da mão... Inertes e entregues ao oblívio da acção... A virar a cara para me verem e a esforçarem-se para olharem na outra direção depois de o fazer. Não há máscara, agora, no passeio do mercado, e quem me olha acha-me diferente no olhar pétreo, no semblante granítico. Torno árdua a conclusão rude e defensiva de que sou esquisito com a minha presença segura a caminhar entre eles...
Achas-me charmoso? Pareço-te bem? Obrigado. O meu sorriso sincero será a única resposta que obterás ao elogio. A remodelação do outfit, pela primeira vez na vida, ocorre simultaneamente interior e exteriormente. Vê-me como a velha gárgula que sou. Cabelo curto, penteado, todo de preto vestido... todo não, a minha gravata bordeaux, simultaneamente, empresta-me um pouco do glamour da sua seda, faz-me parecer mais velho como sou e, por se enrolar no meu pescoço, recorda-me do sangue que me pulsa nas veias a cada pulsar do coração que se regenera e se modifica com a Magia que me permite sobreviver a tudo. Asas escondidas sob o sobretudo negro, ou talvez o meu sobretudo negro evidencie as negras asas que representa. Calças, negras. Sapatos negros. Camisa negra... Até o guarda-chuva que uma gárgula não costuma usar, negro. E caminhar, mortal entre mortais, de negro. Obrigá-los, a eles, pela minha presença, a suster o fôlego, o pensamento, o mover da mão... Inertes e entregues ao oblívio da acção... A virar a cara para me verem e a esforçarem-se para olharem na outra direção depois de o fazer. Não há máscara, agora, no passeio do mercado, e quem me olha acha-me diferente no olhar pétreo, no semblante granítico. Torno árdua a conclusão rude e defensiva de que sou esquisito com a minha presença segura a caminhar entre eles...
O "Quinzinho" está demasiado acima das suas corrompidas maquinações, dos seus viciosos hábitos e tratamentos para lhes permitir sequer a ilusão de que é um igual. A minha Torre faz de mim diferente e eu sou escarpado, austero, intangível e incompreesível como ela, não como eles. Finalmente, não como eles, como nunca fui e como à força de ter tentado ser quase consegui. Já não me encerro num canto oculto da minha Torre e faço ouvidos de mercador aos juízos e julgamentos editados pelos irritantes mercadores. Apenas os ignoro. Ergo a mim, junto a mim, quem permito comigo. Quando me vou, levo comigo apenas os que estão e sempre estiveram comigo independentemente do que tenha feito. O meu olhar queima como gelo todos os outros.
Como fogo para uma borboleta nocturna eles não ficam indiferentes à minha presença. Estacado no mercado sou mais do que eu. Sou eu, o que sei que sou, e o que sei que eles temem e supõem que eu seja. Tudo isso o sou, sem máscaras. O pulha, o crápula, o louco, o anjo, o demónio, o grandioso e o miserável. Já não me esforço por me ocultar. Nada do que faça porá a minha alma num patamar mais elevado ou mais baixo na escala do divino. Não tenho redenção senão na ausência de redenção. Não tenho perdão senão na ausência do perdão. Não compreendo nem quero que me compreendam mais do que o necessário para deixar a doce ignorância de sobre tudo imaculada.
Caminho sobre o gelo como se de fogo fosse feito. Caminho à chuva como se eu próprio fosse água. Atravesso silvas e urtigas como se a minha pele fosse aço ou a pedra que de facto é... e não é pela falta da consciência de que o gelo é frio e eu carne, que a chuva é molhada e me ensopa o cabelo e que as urtigas e silvas abrem sulcos na minha pele que me comporto dessa maneira. É por saber que eles pensam que nada do que o mundo tenha me pode causar dano. É por lhes alimentar o medo e a ignorância e a admiração e a curiosidade para me poder alimentar de tudo isso.
Não sou um anjo. Nunca o fui. Não o serei.
Nada do que fiz pode ser mudado ou alterado, minimizado ou inflacionado. Pode ser deturpado e incompreendido por todos incluíndo por mim...
Mas eis-me a mim majestoso, Mestre e Senhor da minha Torre na minha Torre. Não o quero ser em mais lado nenhum excepto quando me tentarem reduzir ao nível das baratas que piso. Por isso tiro a máscara e quando for ao mercado vou sem ela.
Eis-me.
Ecce gargula.
Comentários
Estou a fazer um trabalho sobre ele e deparei-me com o título e lembrei-me deste post.
P.s.: sinto saudades de aprender enquanto passeava pelas ruas do Porto com uma velha gárgula que me despertava a atenção para os pequenos promenores que passavam despercebidos aos olhos da pequena criatura que a acompanhava.