Eu levo a bordoada.
Calo.
Se consigo digerir, se a bordoada é pequena, sacudo o pó e sigo.
Se não consigo, disfarço a dor.
Escondo-a no meu cérebro atrás de outros químicos,
Dou covardemente tempo à minha mente tempo para não reagir,
Oculto a reação em algo, seja o que for, desde que me ocupe a química que faz os pensamentos....
Porque a biologia sabe que a argamassa que me compõe tem limites,
A dor, se colocada em espera por outras questões mais urgentes, perde intensidade.
Então faço algo. Exijo ao cérebro atenção para outra coisa. Não importa o quê ou quão ridículo.
Mais tarde, provavelmente vem a quebra,
O meltdown, o afogamento...
Desisto e sinto a dor.
Agarro-a.
Ainda estou vivo. Ainda sinto. Mesmo que dor, ainda sinto...
A dor prova-me que ainda sou humano e que ainda vivo. Agarro-me a ela.
E depois vem o cansaço.
A dor sente-se presa e afasta-se e fica o mais grave cansaço.
E eu suporto o cansaço porque não há mais que fazer ao cansaço além de o deixar estar como roupa a secar num dia sem vento...
Espera-se só que não crie bolor, quase nunca cria, e vai-se fazer coisas úteis enquanto a roupa seca....
Nada de ganha a olhar para o cansaço esperando que passe para fazer algo.
Poucas coisas são mais úteis do que treinar para evitar bordoada ou aprender a resistir a bordoada...
E depois o cansaço vai-se quando não o vemos.
Como o sono vem quando não o vemos.
Como a roupa seca quando não a vemos.
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