Há momentos em que, sem perceba muito bem como, um "eu" desperta em dúvida e incredulidade...
É de madrugada. Pelas frinchas da persiana e através do vidro que separa o frio lá de fora do conforto de entre os cobertores, entram lâminas de luz amarela nascida do lampião do lado da rua. Do que se vê do céu, permanece escuro em conformidade com o esperado. E ele surge em mim com olhos de espanto...
Acede ao eu para se reconhecer e saber quando e onde está mas é só ao que consegue chegar. Olha em volta... Analisa o que tenho ao meu redor e vê tudo... Não há malícia, nem má vontade, não há desagrado, não há desprezo... Há a admiração de não se aperceber como está onde estou....
"Como é que vim aqui parar? De onde este conforto? De onde a paz? Que foi feito ou que fiz eu para chegar a isto? De onde a força? Como a disciplina? Sorte?
E para onde daqui? Como continuar? Qual a direção ou sentido? Por onde?"
E um novo acesso a mim o faz sondar-me a vontade e desejos... Um timoneiro ao leme sem vontade pedindo a um capitão carta e rota ou destino para obedecer por falta de melhor ou pior opção.
À resposta simples e inconclusa de um cego, declara-se incapaz. Nada fez para chegar aqui e não se veria nunca com força ou ânimo, saber ou sorte, para simular a façanha.
A vida dele é a de indigente. Um vagabundo mental que se resigna a esmolas piedosas senão a migalhas que roube a pombos que traz em si por felicidade e satisfação.
Isto que tenho não é para ele porque não tem como o manter. É carro de luxo quando não tem dinheiro para combustível...
Sai de volta para a inconsciência e deixa só o recado como declaração inapagável de que a minha fortuna é imensa e não para todos. Alvo de cobiça de muitos e de inveja de outros tantos...
O espanto torna-se novamente torpor e eu adiciono à consciência do que tenho um renovado temor de o perder. Assumo novamente o leme e sigo sem pedir muito mais além da força para manter o que tenho.
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