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Eu corro. Sei que corro e não corro sozinho. Ela vem comigo e quem ela é, talvez por não importar, não sei. Não começa tudo imediatamente com a corrida, perdão, a fuga... Isto é um início in media res; guisa clássica. Corremos por becos e vielas porque ela... ele... id(?)... vem atrás de nós... de mim? Se ela vem comigo, de nós.
Entenda-se, ela não me é nada. Ab initio, é apenas importante para mim na medida em que deva (de alguma forma) lhe perservar a saúde contra algo que, inconscientemente, tenho a certeza ser uma ameaça...
Acordar numa caserna, leia-se casa de cidade num século passado mas anterior ao décimo oitavo, com uma candeia que se apaga e uma voz que me agita os ombros em desespero, não é de todo agradável quando já nos esquecemos como me esqueci que todos os tempos são perenes e simultâneos. Ela diz-me: "(algo imperceptível) vem aí..... Acorda... (algo imperceptível) ouviu-te e vem aí!" Eu sento-me na cama sem tempo para ficar estremunhado, como agora é meu hábito, e sei na altura quem e o que é o/a/id algo imperceptível. A vigilância em que me encontro agora, tentando remediar algo que estou consciente ser irremediável, planear, organizar ideias, é interrompido pelo sufoco, quase choroso, dela que sabe ser inútil sussurrar. "Calma," digo-lhe eu, "nada que te queira fazer mal passará senão por cima do meu cadáver." Os olhos marejados olham-me com incompreensão: "Não é a mim que (algo imperceptível) quer!" responde-me.
A sua presença faz-se sentir e sei que... a porta... atrás da porta... não, temos de ir pela janela, pela janela das traseiras, virada para o inplvvivm. E desatamos a correr na noite. A calçadas e travessas são noite; as paredes, salvo as iluminadas pela noite, são ainda mais noite... A noite que nos chega ao coração, grassando talvez da cidade, é confundida com aquilo que (algo imperceptível) quer(?), faz(?), é(?).
Ela diz-me entre e em baforadas quentes que se materializam na brancura da névoa contra o frio da noite: "Temos de ir ter com eles. Tens de estar à altura. Tens de ser quem és para lhe escaparmos!" e eu sei que isso é verdade. Sei que não estou à altura porque não quero e sei que não basta querer para estar à altura... Sei, como sei muitas coisas sem razão, que a única forma de lhe escapar é fazer as coisas à maneira d(algo imperceptível). Não fugir mas enfrentar. No entanto corro.
Ela vai batendo com os punhos cerrados em certas e determinadas portas, olhando para mim, desesperada, como se eu tivesse a chave ou o poder de abrir aquelas portas específicas às quais bate quando não está a correr para a seguinte a uns quarteirões de distância... Ela bate em certas portas como se estas tivessem um qualquer sinal indicador, invisível para mim, de que abririam... Ela conhece as portas, as casas, não as procura. De novo olha-me e implora-me que abra as portas e eu incito-a a continuar a correr... Correr até que ela vai contra a minha vontade e numa das vielas em que estamos plenamente submissos às estrelas vira por umas escadas não me seguindo no meu curso... eu olho para trás avisado pelo silêncio que sinto e vejo-a a subir. Grito o nome dela que hoje não recordo e sigo-a. "Que fazes? Não é por aqui! Estás louca!". "Vem
," responde-me ela, "eles têm razão e eu preciso que o faças!". Eu sei ao que ela se refere mas já esqueci.
Acordo na minha torre em sobressalto mas sem levantar a cabeça do travesseiro e, apesar de não saber quem és, reconheço-te a arte de me teres apanhado literalmente a dormir. Repeti o erro do sonho. Mas na ausência de alguém material que me agite os ombros e me arraste pela cidade surge a Luz. E da Luz o meu sorriso, malicioso, furioso, irritado mas controlado, a resposta para a retaliação imediata. Sorrio para ti.
Cerro de novo os olhos e aproveito o facto de ainda não teres conseguido destruir todo o cenário onírico que me criaste. No segundo sonho coloco duas bracadeiras de metal, ouro, prata, não interessa qual. Ela já não está aqui, "algo imperceptível". Não lutarei contigo como te pedi para lutar apenas porque sei que a luta é inútil para ambos. Agora anda. Vem para mim. Não me tornarás a apanhar a dormir pois na minha Torre, em Mim, Eu sou Senhor omnipotente. E até podes voltar a tentar fazer-me correr e fugir pois conheces-me e acedeste completamente aos temores que em mim trago desde novo. Não o fizeste com mas contra a minha vontade. Por isso pagarás.
A primeira estocada foi dada no sonho, "algo imperceptível". Ouvi-te a rir como Deus se deve rir sempre que um mortal furioso dirige os punhos ao Céu clamando vingança por uma calamidade da qual foi alvo. Este post é a segunda estocada. Aqui reconheço o que fizeste e aqui reconheço o meu ponto fraco. Assim exposto não podes acreditar sem estultícia que não está fortemente protegido. Não estou à altura. Não sou quem virei a ser, quem serei, de facto. Sabes que mais?
Manda vir mesmo assim.

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