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Um Ateniense

"O calor espanta tudo e todos... adormece. Entra-nos nos corpos, ocupa-nos os pulmões... Lentamente, apesar de tentar lutar contra a temperatura com o suor, vamos entrando numa espécie de estase, não êxtase, e deixando-nos desfalecer... As pernas bamboleantes... a respiração pesada... a boca seca e olhos límpidos implorantes de águas frescas e cristalinas que terminem a agonia. Não, já não querem água, já só pedem uma sombra... raios, não! o que o corpo pede é a frescura dos elísios, uma ribeira, colinas verdejantes cobertas de ulmeiros, brisas refrescantes, frutas doces... Chamada à realidade. Ao longe o Partenon arde... Treme e não cai com as ondas que Gaia reflecte de uma carruagem de Apolo mais quente que qualquer forja de Hefesto, o Deus-Zarolho... Somos mortais, ó Imortais!... Aplacai a vossa fúria contra nós que destruímos impiedosa e lentamente as vossas criações... Dai-nos a misericórcia que a raça humana nega à sua gente... Não? Mestre e Senhor dos Sete Mares, ó Poseidon Tridentino, ergue contra nós a tua fúria e erradica a pólis com gigantesca vaga!... Uma morte rápida e agoniante para nos libertar da agonia da vida neste deserto urbano!... Deuses, imploro, lembrai-vos que quem vos esqueceu!..."

Comentários

blonde disse…
Uauuu! Once again speechless...
blonde disse…
devo dizer que é a terceira vez que leio o texto e não consigo dizer mais de que "uau". Eu sei que é patético, mas acho que não existe melhor palavra para descrever o texto.

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