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Deus

Nos tempos antigos, quando o primeiro movimento de fala me atravessou os lábios, eu subi à montanha sagrada e falei a Deus dizendo: “Senhor, eu sou o Vosso escravo. A Vossa vontade oculta é a minha lei e irei obedecer-Vos por toda a eternidade.”.
Mas Deus não deu resposta e como uma poderosa tempestade passou por mim.
E passados mil anos, subi de novo à montanha sagrada e de novo falei a Deus, dizendo: “Criador, eu sou a Vossa criação. Do barro me concebestes e a Vós devo tudo o que possuo.”.
E Deus não deu resposta além de passar como milhares de rápidas asas.
E passados mil anos trepei a montanha sagrada e falei de novo com Deus, dizendo: “Pai, eu sou o Vosso filho. Com piedade e amor me deste a vida e através do amor e da veneração herdarei o Vosso Reino.”.
E Deus não deu resposta e como a bruma que cobre as distantes colinas, afastou-se.
E passados mil anos escalei a montanha sagrada e de novo falei a Deus, dizendo: “Meu Deus, meu objectivo e minha concretização; eu sou o Vosso ontem e Vós o meu amanhã. Eu sou a vossa raiz na terra e Vós a minha flor nos céus e juntos crescemos ante a face do sol.”.
Então Deus inclinou-se sobre mim e aos meus ouvidos suspirou palavras doces e, tal como o mar abraça o ribeiro que corre na sua direcção, Ele abraçou-me.
E quando desci aos vales e às planícies, Deus também estava lá.

Comentários

Dahnak disse…
O texto de que parti estava em inglês... é de autoria de Kahlil Gibran. Eu só traduzi.
blonde disse…
para quem não é um tradutor profissional até não está nada mal! ;)
Filipa Moreira disse…
Só consigo sorrir perante este texto. Sorrir pelo título e pelas tentativas falhadas tão minhas conhecidas...

De traduções não percebo muito. ;)

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