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Da Neve...

Fui neste último fim-de-semana a Montalegre... Aproveitei um convite da vida e fui a um local onde nunca teria razões para ir senão por ela me lá levar.
Sempre gostei de ser algo de intermédio entre o Peter Pan e um qualquer guru new-age que ninguém consegue entender... Este fim-de-semana, entre àrvores nuas aquecidas apenas pela neve que se acumulara nos seus ramos, dei por mim rodeado de um brando manto branco, espalhado à minha volta onde os meus pés se enterravam a cada passada deixando as marcas no caminho que trilhava, coisa que, inevitavelmente, não deixo de detestar. Num momento fez-se magia. Deixei de ser esta velha gárgula que vos escreve, caíram-me as asas, e aquele cenário que tantas vezes vira na televisão transformou-me num puto de dezena de anos a tentar manter o equilíbrio na neve dada a falta de raquetas e a atirar bolas de neve do tamanho da minha cabeça aos meus parceiros de viagem... parava para aquecer as mãos, feridas pelo frio, e sem demora voltava à carga em salvas brancas que cruzavam o ar tão rapidamente quanto as conseguia produzir e projectar...
Uma gárgula da minha idade deveria olhar para aquele quadro invernal e ver o reino da Senhora, deveria aperceber-se que a neve é perigosa e que mata aos poucos as partes desprotegidas.... mas a magia fez-se e era apenas um puto que tinha umas luvas de aquecimento por dentro de outras luvas, da vidal, usadas para lavar a loiça sem molhar as mãos....
Como posso eu resistir à diversão, a esquecer-me dos sarilhos, dos problemas, das questões quotidianas. Como posso eu atrever-me a não virar a cara ao sofrimento, ser normal, fútil, a gastar horas preciosas se dedicadas a pensamentos e filosofias, teorias e argumentos, se o próprio Destino me olha nos olhos, me sorri e me atira com uma inescapável bola de alegria irresponsável?
A neve nas minhas sapatilhas secou, o casaco já não está todo molhado e as luvas da vidal (e as outras também) estão penduradas... na minha mente ficou o desvio impossível que fiz daquela bola de neve, aquele cobarde golpe pela retaguarda quando estava em inferioridade numérica... Ah, e o lago ou albufeira, calmo, sereno, submisso ao Inverno simbolizado pelos nevados cumes que se erguiam acima dele....

Comentários

jamila disse…
oi lindo... por muito grande que tu sejas enquanto gargula... tu nunca deixarás de ser uma criança... e é por esse espirito tambem que te adoro... a tua vida não fica chateada por eu dizer isso... porque adoro aos dois...
liberta sempre a criança que há em ti...
beijos

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