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Standing When All Tumble

Os humanos têm a particularidade elementar de nunca dizerem exactamente aquilo que querem dizer... Nunca dizem o que pensam, quando pensam e suponho que não se dêem sequer ao trabalho de pensar no porquê de fazerem isto... Talvez, se se dessem ao trabalho de pensarem nas razões de fazerem o que fazem.... Humanos....

Nova visita ao mercado. A besta deixou de ser a besta.... Os novos habitantes da cidade admiram-se por os membros da corte reconhecerem a criatura estranha que se apresenta diante deles... A mim, a criatura estranha, já nada me surpreende. Não me surpreendem os olhares de ódio do barão que tomou o altar e o poder sobre a cidade, na minha ausência, por eu não estar lá... Não me surpreendem os olhos suplicantes que volte e que os salve do despotismo e nepotismo idiota em que a classe dirigente caiu.
Eu olho-os... "Não era esse o vosso salvador? Considerem-se devidamente salvos.". Não cedi aos pedidos daquelas almas que se mantiveram ao meu lado e que lamentaram a minha expulsão. Que sentiram a minha falta ainda antes da partida... Como posso eu olhar com piedade para aqueles que sentiram a minha falta apenas depois que o gume da espada que louvavam se ergueu contra eles? Como posso eu oferecer a minha mão às pessoas que a negaram e lhe viraram a cara quando a esticava procurando apoio?
Não, caríssimos humanos.
Não sou eu uma gárgula que dê a outra cara... Nem que todos os habitantes dessa maldita cidade se erguessem num unívoco clamor de fazer tremer céus e terra. Nem que erguessem e levantassem pela raiz a minha torre na tentativa de a deslocarem para o centro da cidade para me terem mais perto... Demónios danados, nem que me oferecessem o trono e o altar, o poder e a autoridade!... Confundis-vos... Eu não sou o barão LeCoque que se prende de todas as maneiras e feitios ao poleiro....
Criaturinhas... Eu sou uma gárgula... As gárgulas observam a cidade de cima não por serem superiores mas por serem vigilantes.... As gárgulas tratam dos seus, mas ai de quem ouse levantar a mão contra uma gárgula. Ou se arrisca a vê-la decepada, ou a não poder contar mais com a protecção da gárgula agredida... Vivei agora no Inferno que criasteis... Colhei agora os frutos das pútridas sementes que semeasteis.
E quanto a vós, doces criaturas que chorasteis a minha partida como se de meu óbito se tratasse... A vós vos digo e aconselho que reduzam ao mínimo a interacção com gente de tão fraca índole. A desfaçatez e as falhas das quais tais humanos são prolíficos portadores em tão vil cidade, temo, são contagiosas e grassam matreiras como a matreira é a fonte e origem desse mal... Por vosso bem e tenção vos deixo o aviso e o pedido de cuidados redobrados...
Um dia também essa Sodoma cairá... Nesse dia nem os raros justos serão poupados. Nesse dia estarei na minha Torre a ver a cidade arder. Comigo estará quem quiser e quem eu achar meritório...
Nesse dia estarei eu e os meus...
Standing When All Tumble.

Comentários

blonde disse…
A tua ausência é e sempre será muito sentida. Mais até do que possas mesmo imaginar. Vives na memória de quem sempre te olhou com admiração, de quem tanto aprendeu contigo... Não sais do coração de quem olha para cima em busca de alguém que guie ou em busca da força que se perde por se achar que se está sozinho contra um mundo que sempre se rejeitou e se vê ganhar força.
Ficas na memória dos mais pequenos, se não em todas em algumas, porque há sempre alguém que não deixa que essa memória se apague.
As técnicas podem ser mais matreiras, mas é impossível seduzir quem já levou com a faca nas costas inúmeras vezes.
Podes descer à cidade, por muito imunda que esteja, há sempre uma ou outra casa onde se é recebido com abraços e com sorrisos do mais sincero que há, por se ver que alguém que nos é querido voltou.

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