Acordei na minha torre... sentei-me na minha cama e olhei para o fardo que depositara aos pés da mesma depois de passar uma semana coligindo e colectando os seus componentes. "Fosses tu tão pesado quanto aparentas, meu fardo que não és meu", digo-lhe, entredentes, sem resposta. Ergo-me da cama com aquela atitude de quem tem mais um dia de trabalho ou uma tarefa forçosa não particularmente agradável à sua espera, à espreita, numa das esquinas do dia. Estico-me em direcção ao tecto, passo as garras pelo cabelo, uma agitadela ligeira às asas, um silvo de chicote com a cauda com cuidado para não partir nada... Dirijo os olhos à janela e reparo que o Sol vai alto. "Vossa Senhoria..." acompanhando um respeitoso baixar de olhos e um ligeiríssimo inclinar de cabeça ao Astro-Rei. Desço para o duche....
As gárgulas tomam duche, sim. mesmo que a larga maioria prefira não o fazer, uma vez que o faço eu, pode dizer-se que as gárgulas tomam duche... Não a generalidade mas certas particularidades na espécie... ...como eu.
Saio do duche com o mesmo ânimo com que entrei... quem sabe até um pouco decepcionado por a água não ter levado consigo o ânimo com que entrei permitindo-me substituí-lo por um melhor. Seco-me com a toalha, seco o espelho... Mirada breve... Toalha... Esgorovio o cabelo sob a desculpa de o estar a secar... Nova mirada, pousada a toalha. Escova. Adestrar o cabelo molhado e alinhá-lo com a minha vontade é deveras mais simples do que o fazer com ele seco. Finalmente, o penteado como o teria se o tivesse feito com brilhantina e fosse um galã dos anos 40 do século passado... mais uma mirada... sacudo o cabelo como um cão ao chegar a casa depois de uma chuva o ensopar. Agora sim, tenho o cabelo como o quero... Pronto a secar.
De regresso aos meus aposentos, abertura do Índex. O nome invoca a indomentária apropriada. Admiro-me ao ver os andrajos.... olho os pulsos e reparo nas pulseiras, douradas, de grilhões partidos... A minha face não suporta nem contém tudo que dentro de mim tenho e expressa como um jacto a turba emocional que me mantem estacado frente ao Índex. Olho de novo o fardo e de novo reparo no que trajo.... Não sei se por vontade se por falta dela deixo cair o meu punho em direcção ao chão e em vez de uma interjeição de dor grito apenas surdamente "Não!".
Como um espelho partido, as minhas roupas desfazem-se em milhares de pequenas partículas de luz sendo projectadas para longe de mim. Ergo-me com um movimento fluido e um esgar. No centésimo de segundo seguinte a minha face tem de novo a aparência pétrea que deveria manter sempre.... que é forçoso que se mantenha sempre. Fecho os meus olhos e sorrio com a imagem que me assalta a mente... Imagem que sei que está lá para momentos como este em que não me posso permitir que a escuridão me tome. Sorrio.
Sem olhar volto a abrir o Index e pouso automaticamente o dedo sobre um nome... De imediato um vento etéreo obriga-me a juntar as asas ao corpo para não ser atirado contra o tecto. Quando volto a abrir os olhos não me surpreendo. Sapatos pretos, meias, calças, t-shirt e camisa... Negro. O meu sobretudo... Sorrio e sei que estive morto e voltei. Sorrio porque sei que morri mais de uma vez e de todas as vezes voltei a ser atirado de lá do Éter.
Aproximo-me da bola cristalina e uma mensagem interrompe a concentração por mim exigida para tão dolorosa tarefa que, apesar de não temer, não perspectivava como minimamente agradável... Cancelamento... Tremo entre o alívio da procrastinação e a frustração da energia gasta nos preparativos. Do meu sobretudo negro irrompem as asas e abandono a Torre em direcção à minha apaziguadora Nuvem.
As gárgulas tomam duche, sim. mesmo que a larga maioria prefira não o fazer, uma vez que o faço eu, pode dizer-se que as gárgulas tomam duche... Não a generalidade mas certas particularidades na espécie... ...como eu.
Saio do duche com o mesmo ânimo com que entrei... quem sabe até um pouco decepcionado por a água não ter levado consigo o ânimo com que entrei permitindo-me substituí-lo por um melhor. Seco-me com a toalha, seco o espelho... Mirada breve... Toalha... Esgorovio o cabelo sob a desculpa de o estar a secar... Nova mirada, pousada a toalha. Escova. Adestrar o cabelo molhado e alinhá-lo com a minha vontade é deveras mais simples do que o fazer com ele seco. Finalmente, o penteado como o teria se o tivesse feito com brilhantina e fosse um galã dos anos 40 do século passado... mais uma mirada... sacudo o cabelo como um cão ao chegar a casa depois de uma chuva o ensopar. Agora sim, tenho o cabelo como o quero... Pronto a secar.
De regresso aos meus aposentos, abertura do Índex. O nome invoca a indomentária apropriada. Admiro-me ao ver os andrajos.... olho os pulsos e reparo nas pulseiras, douradas, de grilhões partidos... A minha face não suporta nem contém tudo que dentro de mim tenho e expressa como um jacto a turba emocional que me mantem estacado frente ao Índex. Olho de novo o fardo e de novo reparo no que trajo.... Não sei se por vontade se por falta dela deixo cair o meu punho em direcção ao chão e em vez de uma interjeição de dor grito apenas surdamente "Não!".
Como um espelho partido, as minhas roupas desfazem-se em milhares de pequenas partículas de luz sendo projectadas para longe de mim. Ergo-me com um movimento fluido e um esgar. No centésimo de segundo seguinte a minha face tem de novo a aparência pétrea que deveria manter sempre.... que é forçoso que se mantenha sempre. Fecho os meus olhos e sorrio com a imagem que me assalta a mente... Imagem que sei que está lá para momentos como este em que não me posso permitir que a escuridão me tome. Sorrio.
Sem olhar volto a abrir o Index e pouso automaticamente o dedo sobre um nome... De imediato um vento etéreo obriga-me a juntar as asas ao corpo para não ser atirado contra o tecto. Quando volto a abrir os olhos não me surpreendo. Sapatos pretos, meias, calças, t-shirt e camisa... Negro. O meu sobretudo... Sorrio e sei que estive morto e voltei. Sorrio porque sei que morri mais de uma vez e de todas as vezes voltei a ser atirado de lá do Éter.
Aproximo-me da bola cristalina e uma mensagem interrompe a concentração por mim exigida para tão dolorosa tarefa que, apesar de não temer, não perspectivava como minimamente agradável... Cancelamento... Tremo entre o alívio da procrastinação e a frustração da energia gasta nos preparativos. Do meu sobretudo negro irrompem as asas e abandono a Torre em direcção à minha apaziguadora Nuvem.
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