Escuridão à minha volta, um foco de luz incide apenas sobre mim. Não pretende chamar a atenção sobre mim pois não há mais nada fora da luz que me encandeia. Já cá estive, como estou. Nú. Não há com quem justificar vergonhas. Olho em volta procurando quem sei não estar. Alguém. Nada.
Joelho no chão, mão no chão, olhar no chão. Branco, frio, pedra, tão vazio quanto a escuridão que me cerca. Sei o que se segue.
A voz dela. "O que pensas que estás a fazer?". Permaneço em silêncio, qualquer resposta é dolorosa porque em boa verdade toda a resposta seria mentira exceto "não sei" e essa doeria ainda mais. Não preciso de articular palavra, estou nú.
"Ou não pensas, ou não estás a fazer. Tu nunca estás quieto, bicho desassossegado... Assim, porque não pensas?"
"Pensar para quê? Planos para quê? Se..." A minha voz é-me roubada com o ar dos pulmões ao ser projetado contra um muro de mármore branco. O muro desvanece na escuridão, como surgiu, depois de cumprir a função de ser o obstáculo no qual deveria resvalar. Ergo o meu corpo do frio e assumo novamente a posição de cavaleiro em silêncio.
"De todas as vezes que fizeste o que quiseste, deste-te mal. De todas as vezes que fizeste o que deveste, deste-te mal. Porquê fazeres o que deves e não o que queres?", pergunta ele.
"Há mais em jogo além de mim próprio. Por isso o fiz, por isso devo continuar a fazer." respondo.
"Sabes quem depende de facto de ti? Deixa de procurar a glória, a aprovação, o louvor. Se o fizeres, vais aperceber-te que eles encontram-te. Egoísta."
O peso das palavras abate-se sobre mim. Não é sequer aprendizagem, é recordação. "A pé, criatura...." Ordena ele. Sinto as lágrimas frias a abrir caminho pelas minhas faces. "Não é tua a função de facilitar a tua vida ou de chegar ao prazer. Não roubes a outrém esse oneroso dever. É como és. Cumpre. Ergue-te."
Ergo-me novamente cercado do nada. Fulgente armadura carmesim, asas como escudo, escudo de asas.
Há momentos em que, sem perceba muito bem como, um "eu" desperta em dúvida e incredulidade... É de madrugada. Pelas frinchas da persiana e através do vidro que separa o frio lá de fora do conforto de entre os cobertores, entram lâminas de luz amarela nascida do lampião do lado da rua. Do que se vê do céu, permanece escuro em conformidade com o esperado. E ele surge em mim com olhos de espanto... Acede ao eu para se reconhecer e saber quando e onde está mas é só ao que consegue chegar. Olha em volta... Analisa o que tenho ao meu redor e vê tudo... Não há malícia, nem má vontade, não há desagrado, não há desprezo... Há a admiração de não se aperceber como está onde estou.... "Como é que vim aqui parar? De onde este conforto? De onde a paz? Que foi feito ou que fiz eu para chegar a isto? De onde a força? Como a disciplina? Sorte? E para onde daqui? Como continuar? Qual a direção ou sentido? Por onde?" E um novo acesso a mim o faz sondar-me a vontade e desejos... Um t...
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