Avançar para o conteúdo principal

Eu sou apenas e só uma gárgula...

Sempre me orgulhei da pouca quantidade de amigos que trazia comigo. Digo que trazia comigo porque só tenho duas asas e se tenho amigos tento protegê-los sempre que posso debaixo delas...
Eis a minha torre: É alta e não tem portas nem portões o que significa que cá dentro só entra quem eu carrego com as minhas asas cá para cima, ou quem por artes e ofícios com cordas consegue trepar a íngreme e lisa parede cinzenta.
Para que possam vê-la como eu próprio a vejo por ser minha, descrevê-la-ei: temos duas janelas, viradas uma para norte e a outra para poente; as paredes estão forradas a livros em estantes, dicionários, enciclopédias, coisas que leio e que não leio quando me obrigo à reclusão; ao centro, uma pequena mesa na qual raramente cabem mais de três livros grandes ou dois convivas em conversa e riso; ali ao "canto" (a torre é redonda) fica a minha cama, num espaço desocupado de estantes; em cima da mesa tenho uma lamparina a óleo que uso para ler à noite; entre estantes, uma tocha que costumo manter apagadas porque, apesar de os livros e o fogo serem imaginários, não tenho seguro da biblioteca... nem imaginário.
Como vêem, é singela a minha torre...
Agora venham comigo aqui a baixo. Acabo de vos abrir um compartimento que se encontrava escondido debaixo da mesa...
Está, escuro, eu sei, mas os vossos olhos habituam-se, não se preocupem... Como já devem poder enxergar esta é uma pequena câmara de horrores.
Esta é a base para o meu Index.
....
Sim, eu tenho o Index como a Igreja Católica tinha na Inquisição, e daí?
..
O que tenho cá escrito? Ora, nomes! É um Index, não é?

Aquilo? É o meu armário mágico... Eu tenho qualquer coisa de camaleónico e sempre que leio um nome do Index, o armário abre-se e visto-me magicamente em conformidade com o nome que li...

Querem que experimente?
Agora?
Pronto, o anfitrião sou eu, não me posso recusar. Ora deixa cá abrir o Index...
...
Sim, tenho muitos nomes de raparigas aqui escritos e então?
...
Não, não são namoradas! Sou uma gárgula reservada e raras são as pessoas a quem me ponho ao serviço, logo...
Repara, eis a Senhora dos Meus Sonhos: como vês, tenho um fato multifuncional que dá para tudo... multicolorido porque quando estou com ela todo o mundo fica mais colorido...
...
Sim, tem grilhões, mas é parco preço para o valor do fato... e não me pesam. É o meu preferido.
Outro nome, agora... Ora aqui está um bom, do meu passado... Um caríssimo druida que acompanhei em deambulações mas que ousou pôr em causa o meu ninho...
Eu sei que sou filho de um dragão monstruoso e de uma donzela que não soube fugir ao seu fogo, mas pôr em causa que não tenha sido um dragão mas um cavaleiro o meu progenitor...!
Vêem? Justifica-se este verde, este negro, este capuz que me cobre a cabeça...
Mas é fato que não gosto de usar e que já teria deitado fora, houvesse explicação dele para a atitude que tomou...
Vá, só mais um...
...
Esta menina?
A história que esta menina tem é longa e não vo-la contarei... Nem que tempo tivesse... Mas tentem inferir do fato que tenho, vá.
Vejam o negro...
Sim, a maquilhagem como um mimo também conta.
Sim, as várias máscaras, uma de cada lado da cabeça, como Jano, o Deus Romano...
Sim, as labaredas que ardem sob o casaco comprido que quase toca no chão...
....
Não conseguem ver as asas porque na altura não precisei delas, caramba!
Minto, precisei e na falta delas estatelei-me no chão, mas o druida abriu-me dois golpes no casaco para as asas sairem se precisasse...
Em boa verdade, ela também ajudou em grande parte do processo.
Sim, gosto do out-fit, mas não é comparável à indumentária que trago ao serviço da minha Senhora.
......
Não, não trocaria essa roupa por nenhuma outra, agora... Mas mudemos de pouso que já pouco falta para ver.
Aquilo é o meu altar, com a vela branca e a vela negra, o meu cálice e athamë...
....
Esperava que não reparasses...
Aquela porta é das minhas pequenas depravações, dos meus segredos obscuros...
Pecados esquecidos...
Coisas que eu próprio tremo de recordar.
Raramente a abro e não a abrirei para ti, lamento.
...
Não adianta pedir, não abro. Temo o que se encontra lá dentro, mas para teres uma ideia, é uma das razões pela qual sou uma gárgula....
Voltemos para cima.
Eu agora vou voltar aos meus estudos aqui à luz da lamparina...
Não te admires de ao longe a minha torre parecer disforme, cómica, sem sentido...
É por arte minha que parece assim.
Bem, boa viagem e que haja sempre uma estrela a alumiar-te a estrada.

Comentários

blonde disse…
gostei da visita à tua torre! conseguiste muito mais do que eu alguma vez conseguirei! talvez um dia abra a minha caixinha de segredos!!!
e não é preciso contar tudo...
Anónimo disse…
_o_ IoI _o_ IoI _o_

bow down to the king of gargoyles!

grande abraço mano
Milai disse…
Crente, pensava que cabia dentro das tuas asas..mas parece que não há espaço para mim. não faz mal!! Se quiseres dou te fotografias de gárgulas de pedra que tive oportunidade de ver..bj
Dahnak disse…
apenas tirei 2 exemplos, caríssima, Milai, tu também constas no meu Index, não temas!
Para ti, uso o meu azul-claro, com a faixa laranja na junto às baínhas... Tem capuz, mas não o uso contigo... Porque não devo esconder-te a minha cara. Tu que já me viste sem máscara e que tentaste acalmar a fúria intempestiva das minhas asas, mesmo sem seres o alvo dela. Apenas tentaste mostrar-me a tua forma de ver as coisas e eu tentei mostrar-te a minha. A vida afastou-nos, mas não nos seperará, caríssima. Beijinhos gandes pa ti e para a tua menina Dourada.
muxymuxy disse…
Stranger
than you dreamt it -
can you even
dare to look
or bear to
think of me:
this loathsome
gargoyle, who
burns in hell, but secretly
yearns for heaven,
secretly . . .
secretly . . .
But...
Fear can
Turn to love - you'll
learn to see, to
find the man
behind the
monster: this . . .
repulsive
carcass, who
seems a beast, but secretly
dreams of beauty,
secretly . . .
secretly . . .

Mensagens populares deste blogue

parte 1

É atirada ao material uma criança... Um bebé que viria a ser uma criança... À carne, ao físico, ao tempo e espaço. Depois, contextualiza-se e integra-se essa criança num todo... Um grupo de condicionantes e fatores de como é suposto ser tudo. Um status quo inescapável de outros seres semelhantes que surgiram antes... Expectativas, padrões, normalidades, regras e o indivíduo neófito submete-se naturalmente à força passiva dos tantos contra nada, como se não houvesse qualquer violência envolvida. Não é explicada qualquer existência de quebras ou excepções ao padrão... Até o indivíduo se aperceber que é, ele próprio, uma excepção em algo... Há nele uma latente fuga às normas e não sabe que a fuga às normas é em si mesma normal...  Este é o primeiro conflito real do ser: admitir-se excepção ou refutar-se enquanto tal. A uma criança contextualizada no tácito contato social e sobreimposto status quo, ser a excepção em algo fundamental como, digamos, um núcleo familiar standardizado, constitu
"Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste... As paixões dormem , o riso postiço criou cama, as mãos habituaram-se a fazer todos os dias os mesmos gestos. A mesma teia pegajosa envolve e neutraliza, e só um ruído sobreleva: o da morte, que tem diante de si o tempo ilimitado para roer. Há aqui ódios que minam e contraminam, mas, como o tempo chega para tudo, cada ano minam um palmo. A paciência é infinita e mete espigões pela terra dentro: adquiriu a cor da pedra e todos os dias cresce uma polegada. A ambição não avança um pé sem ter o outro assente, a manha anda e desanda, e, por mais que se escute, não se lhe ouvem os passos. Na aparência, é a insignificância a lei da vida. É a paciência, que espera hoje, amanhã, com o mesmo sorriso humilde: - Tem paciência – e os teus dedos ágeis tecem uma teia de ferro. Todos os dias dizemos as mesmas palavras, cumprimentamos com o mesmo sorriso e fazemos as mesmas mesuras. Petrificam-se os hábitos lentamente acumulados. E o
A todos quantos possa interessar, esta gárgula tem estado em clima introspectivo... A aprender algo em que seja realmente bom, a dedicar-se à escrita para posterior publicação. Só para que todos vocês, que não estando diariamente comigo se preocupam com o meu estado inundando-me com carinhosas mensagens pedindo novas, boas ou más, todos os dias, saibam que está realmente tudo bem. Raios me partam mais os devaneios...