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A Balada do Caixão...

O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mogno, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (era Entrudo,
Havia imenso que fazer...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou. mexeu na casa toda.
- Eis aqui um bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar vir buscá-lo?
- Ao pôr-do-Sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o homem a aplainá-lo...)
Ó meus Amigos! salvo erro,
Juro-o pela minha alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! do que eu!

Paris, 1891


Só - António Nobre

Comentários

Dahnak disse…
Adorei... Abri o livro à sorte e sai-me isto...
uma boca do divno e/ou do acaso só para mim...
José Borges disse…
pois é mesmo. Mas só da melancolia e da arte de um homem como o António Nobre podia sair uma coisa destas, não descurando a qualidade de cada um de nós para a escrita e para o pensemento.
Milai disse…
tem a ver ctg:) bj

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parte 1

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